2º Arco - Solidão


Sêmen – Segunda parte –

I

Não poderia esperar tal decisão. Sim ou não, cumplicidade ou solidão? É medieval tão questão. Pré-colombiana. Passos curtos em direção qualquer, mas rumo ao próximo, que motivo teria?

Eu não poderia esperar tal decisão daquela mulher, K. Atirei-me ao escuro das conquistas por moças, coxas alheias; sim de muitas, não de algumas, cumplicidade e solidão. Frise isto, por favor: E solidão. É medieval tal questão, passos curtos em direção qualquer enquanto ela não se decidia por mim ou pelo ouro dos outros. Rumo ao próximo enquanto eu estava lá, nos escombros das futuras construções, esperando-a; que motivo teria para não aguardar?       

            O fato, por mais simples que pareça e que eu mereça, é que nos momentos derradeiros ela adentra a porta, não a mulher que eu aguardava, de cinta-liga e olhar lânguido, tampouco a donzela pálida de foice em mãos e vermelhos olhos; adentra a porta sem ritmo, por vezes até descompassada, a sereníssima que enlouquece, ela caríssimos, derradeira e despedaçante, solidão. Cúmplice de meus motivos mais estranhos, mais verdadeiros.

                                                                                              Por Eliéser Baco



            Ela mata. Ela seduz, joga, escorraça, destroça, amordaça. E mata. Impiedosamente. Sem sangue. Sem nexo. Apenas acaba com toda e qualquer esperança na vida. A mulher tem um poder qualquer coisa de hipnótico, que tranca o homem dentro de sua alma, sem saída nem chance de perdão. Todo o que se faz é chorar e implorar pela chance impossível.

            Creio na força devastadora desse tsunami humano chamado mulher. Obra máxima da Força Criadora, infinitamente superior ao homem, que jaz debaixo de sua mediocridade, impotente diante de tamanha lassidão. Inevitável é o sentimento de ausência, um pária entre iguais, onde não consegue o homem controlar seus sentimentos mais intensos, quanto mais a mulher o ignora e humilha.
           
            A mulher muitas vezes é usada e jogada fora, mas quando sabe de seu poder, dificilmente deixa de usá-lo. O homem é destruído duplamente – pela força natural da mulher e pelo sentimento de inferioridade de quem historicamente se fez passiva. Essa passividade era a solidão da mulher e a tranquilidade do bicho-homem.

                                   Por Fabiano Queiroz



Sêmen – Segunda parte –

II

            Dos aspectos relevantes das buscas impostas socialmente, quis me livrar de todos. Tudo e todos; ainda que quisesse me assombrar apenas com meu olhar e pensamentos, a mulher era necessária, cúmplice que não se pode esquecer. Cinco anos da escolhida solidão contemporânea. Ainda que cartas e beijos precisassem ser trocados. 

            A pensar na força do argumento que vive tão forte hoje, e que mantém o foco de não compartilharmos mais do que linhas, febre e orgasmos esparsos. Receios de quem já cheirou um pão amassado por algum ser deveras estranho, que se aproveitou de alguma ternura existente para transpassar a lança quase fatídica.  

            E a mulher que deveria zelar por sua própria força, se entrega ao ouro dos outros, tão somente pelo ouro e garantias de algo ameno, sombra do seu olhar de vida. Seria a desforra por séculos de submissão tal atitude da mulher?  Se tivessem escrito que não foi expulsa do tal paraíso, que ela acolheria o sêmen e transformaria tudo em poemas e vida, teria sido melhor?
Por Eliéser Baco





            Se é vingança, se é força, se é revolução. Pouco importa. A vida é cíclica (cítrica?), temos fases e momentos históricos. A mulher ainda não é tão poderosa quanto o homem, seu maior algoz, mas vivemos uma era ágil, veloz, atroz, de lutas, guerras e violência midiática extrema, de informação e contra-informação, deformação e doce formação.

            Esse contexto social do presente momento, do poder das tecnologias de comunicação, transforma as relações sociais, tornando-as tanto mais frívolas quanto mais dispersas, ao tempo em que nos conhecemos mais e mais. É essa ciranda mágica da comunicação instantânea que fortalece movimentos os mais diversos, e a segregação é contida pela virulência de filosofias diversas. Direitos. Humanos.

            Esta é a mulher do Terceiro Milênio, moldada desde o final do século passado. Mais forte, mais informada, mais poderosa. E muito mais confiante. É essa confiança que aflige e desespera o sexo masculino, fragilizado em sua essência. Na solidão de seu mundo interno, o homem não se faz presente e reage com violência e falta de inteligência.

Por Fabiano Queiroz




Sêmen – Segunda parte –

III


            Chega a hora, deixe a luz entrar, sorria. Tempestade lá fora é a mulher que se resguarda para tempos difíceis. Um café antes do cinema, soda italiana antes do beijo. Eu sei, ela, D. precisa de tempo, confortar-se antes do próximo evento. É sempre hora de sorrir, deixar a luz entrar. Ainda que estejamos por noites e noites em tavernas escuras. Tem luz que vem de algum olhar...

            O címbalo indiano está perto. Ela não recordará de mim durante sua escolhida solidão. É necessário assim. O importante é ela voltar a dar passos firmes no chão. Não temer o próprio vôo.  A tal mulher deste milênio, que cospe na cara dos rudes e mergulha sem frescura no que quer. Do tal contexto social, da tal filosofia do boteco, da tal luz que adentra o teto, da vil hipocrisia servil, da crua necessidade de estar bem consigo e nada mais. Escolhida solidão, pois, precisamos cuidar de nós mesmos. Ela é assim tão gentil, tão... tempestade é ficar sem aquele belo sorriso.

Por Eliéser Baco





            Solitária por escolha própria, essa mulher aguarda sem pressa o seu momento, sem pensar no momento histórico. Ela está desperta e sabe como agir sobriamente (ou aguerridamente, da forma própria das mulheres). No alvorecer do Milênio, nada mais gentil que uma pessoa vivendo sua vida da forma que lhe convém. Ao homem, resta compreender e aceitar sua nova posição dentro da estrutura social. A ele, talvez seja mais difícil conviver com essa solidão forçada. Ou com as novas regras, ditadas por uma força maior que a bruta. A força da sedução... é Lilith, potência criadora, acordando das brumas.

            Cena de cinema, o beijo no ápice do conto, a história universal que circula estonteantemente em nossos corações, um antigo clássico em nosso DNA. Um novo paradigma se forma diante de nossos olhos torpes e confusos. Assim dizia Lilith: "por que devo deitar-me embaixo de ti?" Essa Deusa desmonta a estrutura patriarcal e vive nos corações femininos de todo o planeta azul, poderosa como jamais fora. A Evolução escolhe os mais capacitados.

                                                                                                                 Por Fabiano Queiroz





Sêmen – Segunda parte –

IV

            Durabilidade das dúvidas que cercam outros não importa. Toda rotina desencadeia certezas, sorrisos sem clareza, ingrediente a mais no labirinto próprio. Essas labaredas de pensamentos,cada item nos serve, está de acordo com nossa proposta de vida,  conseguimos nos impor de nosso interior ao mundo. Que bela ressaca de palavras. E nem cai o cálice das mãos, pois, pesado está, pesado de solidão, nem mais leituras agüentaria dos poetas de Londres, Istambul, Curitiba. O que queima os olhos é mais que poluição; o que queima a alma é mais que dos outros a corrupção. A mulher prefere o sêmen embotado do cinza de qualquer um ao companheiro pobre de ostentação. Pobre ostentação, rica poluição e cálice de solidão. E bebe tão sofregamente a água da chuva que rodopia febrilmente, por saber que todos que passam de mãos dadas ou não, tem aquele nó no peito vez por outra, por não saber deixar de lado a hipocrisia, malfadadas vias, de complexos, de medos, da busca por algo que está no próprio olhar.     

Por Eliéser Baco





            Palavras torpes, frases mudas, na noite escura, onde brilha um cantador. Que faz uso das palavras e invade o silêncio, com seu ressoar magnífico, o dedilhado mágico, o dom mais profundo. Na busca do reconhecimento e do amor, uma encruzilhada, um blues, um chapéu e um violão. A perfeição técnica no apego aos bens imateriais. Na senda do sucesso pessoal, um preço altíssimo a pagar. Até onde tudo vale? Justificam-se os meios, para um fim prazeroso e fugaz, mesmo que ao fim e ao largo, tudo desabe e se eternize em destruição? Ele sabe que está chegando ao fim, quando ela, sua amada, sua conquista, sua dívida, diz: querido, onde você estava à noite passada? Sim, eu disse baby, onde você estava ontem à noite? Porque você tem o cabelo todo emaranhado. E não está falando direito, onde você estava ontem à noite?* E ele, melancólico, apenas suspira... eu estou parado na encruzilhada. Acredite, eu estou afundando.** E para o fundo foi, sem ninguém ver. Porém, para a posteridade ficou.

* 32-20 Blues (Robert Johnson)
** Cross Road Blues (Robert Johnson)

Por Fabiano Queiroz







Sêmen – Segunda parte –

V

            Sem mais nada a perder ou ganhar. Pensar no passado para que? Remédios jogados na privada. Não há ansiedade por notícias de ninguém. Não há roupas guardadas ou por guardar. Não há roupas ou utensílios para aporrinhar. Torta na parede a sagrada família. Torta na geladeira que fazia estava. Rum na garganta. Torta sua rua quando olha desse jeito, de ponta cabeça. Se ri. Vassoura vira par de dança as duas da matina, as cinco da tardina. Tardina não existe então ele inventa. Inventa palavras, dores de cabeça para adoçar a vida com tudo que sua solidão representa. Livre. Por quantos anos quiser daqui pra frente.

            O livro da cabeceira o faz refletir. Pelado as dez da noite, vinte e duas maneiras de iniciar assuntos de sono com a sombra do passado em sua vida. Pára de sorrir por um instante. Que pode fazer se a vida é mais que as cobranças dos outros por sua vida. Publicidade quer te vender tudo, ele pensa. _Quero comprar minha alma de volta.

Por Eliéser Baco



    
            Duas da matina sob efeito de morfina, as toxinas liberadas após tantos devaneios. Essa solidão é apenas passageira do acaso, sem futuro nem distante. Momentos, reflexão, a força que nos enquadra em determinadas categorias sociais de nada vale quando estamos entre quatro paredes, sem ninguém por perto. Somos quem somos de fato, sem amarras nem náuseas. O ápice da felicidade pode ser o vislumbre de instantes ociosos, onde não se pensa em nada, universo particular, nada além. Ou uma alma para revender...
           
            Já são quatro da madruga. Na noite escura, o silêncio mortal cortado pelas sirenes da polícia em busca de desajustados. Enquadrai-os, mestres da força moderada! Leve-os para que possamos circular livremente com nossa hipocrisia encoleirada. Não penso de forma coesa. Cadê o sentido?? Agora, cinco horas! Mais duas horas, devo estar acordado, e ainda não dormi. Mais vivo do que nunca, leve como sempre. Seis, o sol nascendo, a neblina impedindo a visão, abro a janela, sinto o ar, respiro, fecho a janela, volto, deito e durmo profundamente...



Por Fabiano Queiroz





Sêmen – Segunda parte –

VI

            Ilumina meu semblante essa brancura mecânica. Do meu olhar a luz que existe é rala. De tudo que posso legitimar a fábula se cala, defronte meus passos sem candura orgânica. Emoção daquele a esperar alguém? Que se aflige nas contemporâneas mazelas? Que aguarda retorno daquela donzela tal “escolhida”? Nada!; tampouco ódio por corrupção ou a solidão acolhida. Metas sem rima, lógica sem estima. No auge da inocência alheia lastimo toda putice subjetiva.
            Tradições e superstições são remelas. Ilustro, esclareço que não sou tutelado ao pensar mediano, rasteiro. Ação acima do que seus olhos emocionados rimam. Beba da iguaria, mero ser em patifaria.
            Onde está teu mensageiro confidente parco Rei? Currando a Rainha na abadia? Todos os poemas são nulos, vagos, meus bagos são melhores ainda que sujos ou suados. Das canções escritas jogo n’água; moldura da pequena orgia é exemplo da pior selvageria. Sim! Os críticos da arte são assexuados, é de guerra e fome que se faz politicamente o nome. (O Rei acorda estapeado, encara o semblante do algoz)

Por Eliéser Baco



   

            E assim, caminha o mensageiro, distante, enveredando em novas rimas, não mais se sujeitando à Realeza. Busca seu eu, tenta entender seu papel e sua luta. Por que lutas? Não poderia, então, buscar a paz dentro de si? A luta que só faz sentido quando se luta pelo descobrimento do "eu". Envoltos em estrelas, galáxias e escuridão. Não se enxerga um palmo adiante da mente. Da mente que nos mostra um universo muito diferente e inferior àquele real, o desconhecido absoluto. Desconhece, o mensageiro, as fronteiras, o início, o nosso papel, tão ínfimos que somos. Sozinhos? Não sabemos. Superiores? Queremos crer. Duvidamos. Há muito mais, muito além. De guerras e derrotas agoniza a humanidade. De Reis porcos e mensageiros torpes vive a elite deslumbrada. Logo abaixo, as ovelhas, esperando os segundos, os minutos, os dias. Sem pensar no sentido. Se há lógica em toda criação. Se a sincronia que percebemos é real ou criação de nossa mente, tal como é a fé. A fé cega, fé em Deus, fé na ciência, fé em líderes rapaces.

Por Fabiano de Queiroz


Epílogo

Após ouvir de você tantos descalabros, ponho-me ferrenha a defender-me como K. ou como qualquer outra figura feminina, que antes de desejar os ouros, desejou o ouro maior da cumplicidade, do afeto além do desejo, mas contaminado pelo maior desejo que houvesse.

E qual seria este o desejo, o maior? Essa percepção do outro em si nesse espelho de reconhecer que a muitos pode parecer grotesco ou ameaçador, mas que é a única razão de existir. O não ver o outro como outro, mas como parte de si próprio. E tanto me foi negado esse desejo, que os ouros então vieram fazer companhia por pura solidão de tanto encontro negado.

Se sofres de solidão meu caro é porque não foi raro nesse reflexo de mim mesma, mas se pôs a espelhar-me da maneira enviesada de quem se defende de fantasmas de outrora e desse hoje desatino. Não me culpes por essa natureza maligna, medieval, pois sou somente contradição benévola, vontade de saber-te qual uma cientista, vontade de sentir-te qual pessoa comum.


Por Keila Costa